quarta-feira, 29 de junho de 2011

Para onde a Tecnologia Pode nos Levar?



        Marx talvez tenha sido o grande indutor de uma reflexão que hoje se torna importante para compreender o mundo tecnológico contemporâneo: a relação homem/técnica. Ao dizer que a situação social do indivíduo é ponto determinante de sua consciência, Marx destaca que a posição que o indivíduo ocupa numa sociedade é capaz de direcionar os desejos de um indivíduo, de acordo com as necessidades criadas por este dentro de uma determinada estrutura social. Ora, dessa forma, a técnica surge como mediadora fundamental para o indivíduo obter objetos necessitados, e ele o faz mediante o trabalho. Conforme a técnica se desenvolve, novas necessidades surgem. Pensando nos dias de hoje a partir desta perspectiva, a técnica se complexifica a ponto de carecer da contribuição da ciência; assim, a técnica passa a depender da tecnologia, esta por sua vez incitada a avançar mediante as necessidades (também complexificadas) da sociedade, esta de organização capitalista. Os valores produzidos dentro do sistema capitalista permanecem até hoje, mas é difícil separá-los dos valores da modernidade, assim como é complicado inferir que querem dizer que significam a mesma coisa. Dessa forma, não há consenso em dizer que necessariamente a infra-estrutura determina a superestrutura. Acredito, de maneira particular, que modernidade não é sinônimo de capitalismo, ainda que coexistentes e complementares.

         Para pensar as transformações do capitalismo numa sociedade informatizada e globalizada a partir desta ótica marxista, temos autores como Milton Santos. Este foi um grande continuador do pensamento de Marx ao considerar a dinâmica da globalização e as transformações contemporâneas como uma nova etapa do capitalismo, mais caótico do que antes e mantendo as relações de exclusão. Para Santos, a nova configuração social é vista de maneira perversa, mas defende que haja uma globalização (fenômeno que já não se pode voltar atrás) mais humanizada, calcada em valores críticos do capitalismo, a partir de suas crises e das descobertas de sua perversividade pela sociedade conscientizada.

         Durante todo o século XX existiram ainda muitos debates acerca da cultura de massa, de orientação marxista, aplicando a teoria da alienação para buscar compreender formas domínio do consumo da cultura pelas massas populares e a consequente indústria cultural voltada para a produção de bens de consumo. A teoria da cultura de massas (Frankfurtianos) recebeu tanto sustentação da Escola de Frankfurt a respeito dos usos humanos da técnica, por um lado, como críticas por uma orientação que proclamava as capacidades individuais do indivíduo escolher o próprio bem de consumo, ou mesmo formas de discurso (Foucault) que o tornavam fora do agente de moção da história. Esse debate surgiu durante o pós-guerra e possuia consigo um tom de negatismo quanto à ideia de progresso e da razão humana, conduzindo o debate para uma linha filosófica que buscava enterrar as formas básicas da modernidade e inaugurar uma nova etapa (Lyotard).

         A relação homem/técnica feita por Marx participa do debate intrínseco da (pós)modernidade, seja como ponto de continuidade, seja como enterro de sua teoria e a necessidade de se buscar novas formas de pensamento. Hoje, Marx é visto como insuficiente para alguns pensadores, os quais instauram uma nova condição à realidade, a qual a chamam de pós-modernidade ou termos com conceituações semelhantes, pelo fato de a dinâmica do real proporcionada pela nova organização mundial nas instâncias sociais, políticas e econômicas demandarem compreensões a partir da empiria contemporânea. Mas não devemos excluir o fato de que, conforme Marx dissera, a técnica, neste caso somada à tecnologia, está por trás das novas formas de organização social (integrando ao mesmo tempo que excluindo indivíduos e mantendo a dinâmica capitalista da desigualdade, enquanto se nota uma maior politização e conscientização da sociedade em vários lugares do globo acerca de temas diversos, entre eles a ecologia e os massacres étnicos), ao passo que traz a sensação de atemporalidade e de uma realidade dinâmica inédita.

      É bem verdade que, entre os autores de teoria social e filosofia contemporâneos, Marx não foi desconsiderado por completo. Um dos argumentos para os críticos de Marx nos dias de hoje é a respeito do ceticismo quanto ao socialismo, sistema de organização social que teria sido derrubado com o Muro de Berlim no final do século XX. No entanto, existem preocupações atuais que remetem às preocupações marxianas quanto à condição dos indivíduos, e um certo anseio por uma sociedade mais crítica, menos desigual e mais solidária, anseios marxianos. É o caso de Manuell Castells, José Tapias e Anthony Giddens.

       Para Castells, há uma expectativa na "possibilidade de reconquista de um controle mais efetivo do mercado global, o qual não será alcançado através de nenhum tipo de revolução, mas dos esforços coletivos das organizações internacionais e dos países que possuem um interesse comum na regulamentação do capitalismo internacional".* Além disso, acredita que o acesso expandido à internet e o hábito de utilização deste meio pela sociedade tem relação com a existência de um Estado bem-estabelecido e eficaz, voltado às demandas sociais e mediando-se com a configuração do capitalismo contemporâneo.

          Para Tapias, há uma preocupação quanto aos novos excluídos, que para eles são os que não estão na rede. Enquanto existem Internautas, haverão de existir também náufragos, e isso é característico da sociedade capitalista. Para o filósofo, há uma esperança calcada na solidariedade dos internautas, que, em busca de sentido na cultura digital, podem também lidar com o problema da desigualdade. Em outras palavras, o autor acredita no direcionamento do uso da internet (importante canal de comunicação, de demandas aos políticas e de organização de mobilizações) pelos usuários segundo suas necessidades, e estas devem comportar as questões problemáticas da sociedade, como a miséria e questões ambientais.

        Para Giddens, o qual acredita estarmos em sua transição do moderno para o pós-moderno (numa concepção diferente da de Lyotard), estamos presenciando um aumento da reflexividade social, uma vez que estamos propensos a perder, com a dinâmica dessa nova realidade, referências tradicionais, e isso poderia implicar numa concepção de sociedade diferente do que foi até então pensado. No entanto, alerta para o fato de que é inevitável a perca do controle em relação ao nosso próprio futuro, mas acredita que este controle pode tentar ser alcançado mediante a união entre diferentes Estados compartilhando valores comuns, além do fato de que tais Estados se veem na necessidade de considerar os agentes políticos mais próximos da população, como as organizações e movimentos sociais (facilitados na comunicação com a sociedade civil pela existência da internet).

          A questão final: para onde a tecnologia pode nos levar?
         As perspectivas são diversas, mas é possível traçar ao menos alguns anseios comuns: a necessidade de a sociedade ter uma consciência até então inédita para lidar com os problemas do capitalismo, que continuará sendo o sistema econômico diante da revolução tecnológica. É como se a sociedade estivesse responsável  pela mobilização contra opressões, desmatamento, injustiças e desigualdades em geral. Conferir tal papel político é querer conferir um novo estatuto ao conceito de sociedade, ainda tão debatido nos dias de hoje. Mas ressalta sobretudo que agora a sociedade tem nas mãos formas de participar e de influenciar decisões do estado. Basta os indivíduos se organizarem, o que sempre foi um grande problema. Não temos, no fim das contas, noção exata do poder que a sociedade tem, e se ela irá utilizar esse poder em busca de um mundo realmente melhor de se viver.

       No fim das contas, nos encontramos num certo "vácuo teórico". Precisamos, como sempre foi necessário desde a história do pensamento, teorizar para poder agir. Não se pode, hoje, tecer certezas quanto à insuficiência teórica de Marx ou sua aplicabilidade diante do modo como a sociedade configura-se. De mesma forma, não se poderia dizer que Giddens seja mais certo que Castells ou que Tapias se sobressai, ou a realidade não passa do que já foi dito por Bauman. O certo é que devemos compreender a vida social contemporânea segundo uma dinâmica própria, fomentada pelo desenvolvimento do capitalismo e pela participação dos Estados e organizações internacionais nesse processo, onde tal dinâmica revoluciona todos os âmbitos da vida social. Por estarmos no olho do furacão, talvez ainda seja cedo tecermos teorias sustentadas, mas - de toda forma - devemos teorizar sobre a sociedade para fomentar um debate mais apurado - seja ainda em nossa geração de pensadores, seja para as futuras gerações.

*GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.

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