quarta-feira, 26 de outubro de 2011

As Mídias e Ciências Sociais: preocupações do passado ainda pautam pesquisas de hoje.

Uma matéria do site Mídias Sociais me chamou atenção, devido ao título "Governo americano quer usar redes sociais para prever futuro". Segue a matéria na íntegra:

"O governo americano segundo informa o New York Times, está investindo tempo e dinheiro em um novo projeto que utiliza a mineração de dados na internet (data mining) – como pesquisas online e mensagens do Twitter, posts no Facebook e em blogs para prever instabilidades sociais e econômicas.
Uma agência de inteligência americana começou a procurar por ideias, entre cientistas sociais acadêmicos e corporações, sobre maneiras de explorar automaticamente a internet em 21 países latino-americanos para a obtenção desses dados, segundo uma proposta de pesquisa divulgada pela Iarpa.
Os pesquisadores acreditam que os dados coletados através de redes sociais, pela primeira vez, podem revelar as leis sociológicas do comportamento humano, permitindo que eles prevejam crises políticas, revoluções e outras formas de instabilidades sociais e econômicas da mesma maneira que os físicos e químicos podem prever fenômenos naturais.
A experiência terá a duração de três anos e será focada em padrões de comunicação, consumo e movimento de populações. Ele utilizará informações publicamente acessíveis, incluindo consultas de pesquisas online, entradas em blogs, fluxo de tráfego de internet, indicadores de mercados financeiros, tráfego de webcams e mudanças em entradas postadas na Wikipedia."

Eu, como estudante concluinte do Curso de Ciências Sociais, fiquei surpreso tamanha a ousadia do governo americano em captar leis sociológicas gerais que determinem o comportamento humano. Mas essa ambição não é novidade no histórico acadêmico de nossa ciência. Cada um a seu modo, vários cientistas sociais considerados clássicos que levaram consigo a proposta de entender a vida social como um todo buscaram realizar tal façanha mediante a aplicação de sistemas teóricos que tinham como premissa básicas a possibilidade de prever ou apontar ações que justificassem grandes problemas ou fenômenos da sociedade "geral". Autores como Marx, Weber, Tarde, Parsons e Durkheim, só para citar os mais conhecidos, faziam a seu modo uma sociologia ambiciosa. Destaque para Durkheim, que reconhecia na sociedade um corpo diferente do indivíduo ao passo que lhe conferia caráter regulador de ações mediante o constrangimento que estava além da ação humana. Segundo o autor, seria possível estabelecer leis sociológicas a partir do estudo de fatos sociais correspondentes a uma dada sociedade, e pensar o comportamento humano (como atitudes extremas como o suicídio) a partir dessas leis, excluindo, dessa forma, que houvessem algumas ações em detrimento de outras, mais recorrentes.

Verdade seja dita, muito do que se produziu na academia tem questionado e até ido contra essa ambição de compreender fundamentos que determinem o comportamento humano de tal forma que seja capaz de se chegar a previsões. Isso faz com que o comportamento humano seja cada vez mais complexificado, desmitificando simplificações que eram fomentadas na teoria social do séc. XIX. No entanto, uma vez a ciência tendo subdivisões dentro dela mesma (considerando que cada comunidade acadêmica distribuída ao longo de todos os continentes apresenta suas próprias características e objetivos específicos de compreensão da realidade), é possível que vez ou outra surjam notícias como esta. A questão, portanto, é pensar a possibilidade de previsão do comportamento social desses estudos nos EUA considerando as organizações das redes sociais na internet. 

Eu sou particularmente cético o suficiente para não acreditar na façanha desses estudiosos. Mas a tentativa deles não é insensata, considerando a nossa sociedade confessional consolidada (onde a internet é utilizada, entre outras coisas, para se dizer alguma coisa a alguém, o que facilitaria no rastreamento de desejos e de avisos prévios de práticas) e os interesses políticos por trás da encomenda da pesquisa (considerando as forças de movimentos sociais organizados na Internet, o governo e empresas privadas danificadas por ataques hacker estariam buscando formas de conter ou se prepararem para tais atos). Se for possível esse grupo atingir essa ambição, então uma nova era de façanhas surge para a sociologia, como é comum que se ocorra para uma ciência que sempre tenta se superar. A nós resta esperar, mas reitero, há muitos questionamentos críticos que virão no caso de um possível sucesso de pesquisas como esta, no objetivo de desestruturar sua linha sistemática de teoria.

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