segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A reflexão de Bauman sobre o Twitter

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem indagado e tecido algumas reflexões em torno das consequências dos aspectos e peculiaridades que caracterizam a época contemporânea - batizada por ele de modernidade líquida. Dentro dessa perspectiva, tem elaborado diversos livros falando o que pensa em vários âmbitos da vida social: o amor líquido, a política deslocada, a sociedade individualizada, a vida na sociedade de consumidores, o capitalismo parasitário, as consequências humanas da globalização, o medo líquido, o mal-estar da pós-modernidade, etc. Ainda pretendo escrever um post sobre as relações entre a sociedade pós-moderna e as tecnologias. Por hora, centrarei o post de hoje numa das cartas de Bauman que foram lançadas em compilação no livro "44 Cartas do Mundo Líquido Moderno" (detalhe da imagem). Tal carta tem como título "Como Fazem os Pássaros" e discorre sobre a impressão de Bauman a respeito do Twitter, uma das mídias sociais que mais crescem no mundo. O autor, no entanto, sugere que o uso da mídia tal qual a forma que é propagandeada pelos seus fundadores tende a produzir uma cacofonia de gorjeares (tweeters) cujo conteúdo não é tão importante quanto o fato de dizer a alguma coisa. Separei alguns trechos desta carta:


"Por cortesia da administração do Twitter, nossa notória mas envergonhada reticência e falta de jeito para relatar os motivos e objetivos de nossos atos - e os sentimentos que os acompanham - deixaram de ser uma desvantagem e subiram ao pódio das virtudes. O que nós e todos os nossos iguais somos levados a compreender é saber e contar aos demais o que estamos fazendo - neste momento ou em qualquer outro; o que importa é ser visto. Não tem importância alguma saber por que fazemos tal coisa, o que estamos pensando, desejando, sonhando, o que nos alegra ou entristece quando a fazemos, ou mesmo outras razões que nos inspiraram a usar o Twitter, além de manifestar nossa presença."

Para Bauman, o que as pessoas são incentivadas a falar no site (através do "O que está acontecendo?") é produzir muitas palavras sem se preocupar necessariamente com a relevância do conteúdo, ao passo que exacerba o narcisismo e reduz os rituais de comunicação diante das conversas anacrônicas.

"O contato face a face é substituído pelo contato tela a tela dos monitores; as superfícies é que entram em contato. (...) O que se perde é a intimidade, a profundidade e durabilidade da relação e dos laços humanos".


Twitter: falar por falar é um imperativo do site. Usuários precisam ir além.

Na modernidade líquida, uma das características fundamentais é a fluidez das interações - fato que Bauman lamenta. Cada vez mais a intimidade, a profundidade e a durabilidade das relações humanas são pautadas pelas tecnologias que se tornam sucesso entre a sociedade, como se a cada adesão do indivíduo à rede e seu uso estrito de acordo com o que é estabelecido pela mídia tende a significar o início ao processo de abandono de relações aproximadas, duradouras e constantes. Por fim, o autor não esquece que permanecemos dentro da sociedade capitalista, cuja regra parece se manter: "lucros privatizados, perdas socializadas".

"Sejamos realistas: os impactos das novas tecnologias de comunicação são como os feitos da economia liderada pelos bancos, em que os ganhos tendem a ser privatizados, e as perdas socializadas. Em ambos os casos, 'os danos colaterais' tendem a ser desproporcionalmente maiores, mais profundos e insidiosos que os eventos e raros benefícios".

A visão de Zygmunt Bauman diante da modernidade líquida - e tudo o que faz parte dela (a globalização, o consumismo, a rapidez da tecnologia e os (des)caminhos da ciência) - sugere que a priori, o Twitter e as demais mídias sociais têm um impacto negativo na vida humana. O que talvez pode ser feito para utilizar as mídias sociais sem sermos submetidos à ela só para o lucro, acredito eu, é dotar de uma reflexividade até então inédita na sociedade moderna capaz de trazer ao indivíduo a tomada do poder da informação, sendo ele, e não a empresa, quem dita e domina os caminhos de si mesmo a partir de seu uso na rede. Tal necessidade de reflexividade parece ser um consenso em outros pensadores contemporâneos como Pierre Lévy e Anthony Giddens.

E você, o que acha?


BAUMAN, Zygmunt. 44 cartas do mundo líquido-moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

2 comentários:

  1. Realmente esse grande sociólogo nomeado de Zygmunt Bauman trás um debate frente a essas novas relações que se dão com certa artificialidade, creio que toda a problemática gira e torno desses novos modos relacionais em que o contato face a face é substituido pelo tela a tela, perdendo assim inúmeras possibilidades de uma maior sensibilidade ao reparar nos gestos fisicos com quem se fala. No entanto, essa rede social trazida pela evolução cibernética conseguiu interagir o que parecia impossivél, aglomerar o maior número de individúos em todo o mundo em contato direto e instantâneo o que sem dúvida possibilita uma serié de novas formas de comparitlhamento de diferentes culturas e modos de pensar e abarcar esse mundo através da tela de seu pc. Enfim ta um ai debate que gera pano para muita manga e com certeza deve ser discutido e pensado.

    Parabéns pelo texto Nô.

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  2. Obrigado pelo comentário, João! Ver as vantagens e desvantagens da atual condição humana na sociedade global é uma questão que talvez nossa geração de estudiosos sequer dê conta, mas nossas contribuições certamente ajudarão na construção de conclusões futuras que possam ser válidas para explicar nossa atual "confusão" socia! Abraços!

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